Capítulo 1
- Günaydın. - disse Ayla.
- Günaydın - respondeu Murat, seu primo. - Sente-se, vamos tomar café da manhã juntos nem que seja por uma única vez ao ano.
- Ah! Por favor, deixe de drama! - pediu Ayla, sentando-se e admirando a bela paisagem.
Istambul, o berço da civilização. Com seus quase dois mil anos de história, encantava até os mais experientes viajantes.
Ayla nascera em Istambul. A vida toda vira aquela paisagem pela manhã e mesmo assim não se cansava de tanta beleza.
Morava em um bairro chamado Ortaköy, muito frequentado principalmente à noite por possuir cafés, bares e restaurantes, tudo em frente ao Bósforo, estreito que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara e que “e” marca o limite dos continentes asiático e europeu.
- Terminou? - perguntou Murat, que a observava.
- Sim, vou pegar minha bolsa.
- Estou lhe esperando no térreo.
Ayla morava em uma casa estilo otomano com três andares, tudo muito bem dividido. No térreo, a garagem e um terraço. No primeiro andar, a sala de estar, a lavanderia e a cozinha de inverno. No segundo andar, os quartos. No terceiro andar, a cozinha de verão, uma suíte, um escritório, uma pequena sala e uma linda varanda, onde faziam suas principais refeições.
Encontrou o primo a aguardando na garagem. Ayla cursava engenharia e ele, medicina na Universidade de Istambul. Murat morava com os pais em Sultanahmet, um dos bairros mais tradicionais de Istambul, porém só voltava para casa nos fins de semana. Durante os outros dias, ficava com seus tios, já que era o responsável por Ayla e outros dois, Derya, irmã dele, e Ozan, seu primo, que morava com o avô e a mãe no lado asiático de Istambul.
A família de Ayla tinha esse costume. Na juventude, o homem mais velho cuidava dos mais novos; esse era o "cargo" de Murat. Cuidar não é bem a palavra certa. Murat a controlava, obrigava-a a fazer atividades que ela não queria, e a seguir regras e horários. Tudo isso com o aval de seus pais e, claro, avô. O patriarca era extremamente rígido e o que ele dizia nunca era contestado.
Ayla não era mais criança, tinha vinte anos e sabia se virar sozinha. Nunca gostou de ter Murat controlando seus passos, mas tinha sido assim desde que ele completara a idade necessária para se tornar tutor. Ayla tinha nove anos quando recebera a notícia que, além de seus pais, ela também devia satisfação e obediência a Murat, então com quatorze anos. Hoje com vinte e quatro, ele pouco lembrava o garoto alegre e sorridente que era na infância.
Murat fora adquirindo responsabilidades com o tempo. Muito cobrado por seu avô na educação dela e dos outros, ele tinha se tornado implacável no cumprimento das regras. Ela já havia perdido as contas de quantas vezes teve discussões por conta disso. Ela adorava quebrar regras e ele adorava segui-las.
Chegando à universidade, Ayla seguiu para seu curso e encontrou sua prima no corredor. Derya cursava pedagogia e era o orgulho do seu avô já que tem tudo o que uma mulher deve ter na opinião dele. A prima era meiga, calma, estudiosa, obediente e interessava-se por assuntos femininos, como culinária e bordado; um dia dará uma ótima esposa. Diferente dela, Derya não precisa de assistência vinte e quatro horas já que segue tudo que Murat dita sem questionar.
- Olá, moça bonita - disse Derya, dando um grande abraço na prima.
- Olá, sexy - retribuiu Ayla.
- Se Murat ouve você falando assim... - alertou-a.
- Quem liga para o chato do seu irmão? - deu de ombros - Trouxe o que pedi?
- Claro! Se não trouxesse, você me mataria! – disse, dramática.
- Ainda bem que você sabe. Daqui a quinze minutos. nós encontramos lá fora, tem muita gente aqui e não quero testemunhas.
- Tem certeza que você quer fazer isso, Ayla?
- Toda certeza desse planeta.
Seguiram para suas respectivas salas e, após a aula, encontraram-se no jardim da universidade, como tinham combinado. Vários estudantes se espalhavam pelo local.
- Venha! - chamou Ayla, saindo de perto de um grupinho que conversava animadamente.
- Aqui está! - disse Derya, entregando um papel nas mãos de Ayla - E nunca mais me peça nada. Tive que comprar um óleo perfumado caríssimo para que a Gulsen pedisse ao irmão que assinasse isso e estou me sentindo uma criminosa. Não quero nem imaginar se Murat descobrir, ele vai arrancar nossas cabeças e jogar no fundo do Bósforo.
- Deixe de drama, Derya, ele não vai saber! - falou Ayla toda feliz, olhando para o papel em suas mãos.
Tinha pedido a Derya que conseguisse um atestado de consulta médica para entregar ao professor e ser liberada da aula. Iria para Avenida İstiklal, o centro de compras e lazer mais famoso de Istambul, e iria sozinha, sem as rédeas de Murat.
Que maravilha, pensou ela.
Derya e Ayla não costumavam sair sozinhas, mais uma regra da sua conservadora família. Murat sempre estava ao lado delas ou ficava de longe, observando-as. Às vezes, ela conseguia escapar. Na calada da noite, já se encontrara com suas amigas para ir a uma boate ou a praça apenas para conversar. Já fora pega chegando em casa pela manhã e teve que contar ela mesma aos pais, que fizeram um discurso de como era perigoso uma jovem sair sozinha à noite, mas geralmente não eram muito severos nem tão conservadores quanto seu avô.
Ela sabia que não era dócil, às vezes, perguntava-se de quem havia herdado todo esse gênio. Seu avô sempre dizia que ela parecia com uma irmã dele que já havia falecido, geniosa e caprichosa. Ele quem tinha escolhido seu nome, assim como os dos outros netos. Seu avô achava seus pais muito tranquilos, então ele lhe dera um nome forte para balancear a família; os turcos tinham esse tipo de superstição.
O avô dizia que se pudesse, voltaria no tempo para escolher outro nome para ela, pois esse não teve o efeito esperado. Ayla é um nome hebraico, que quer dizer carvalho e, assim como a árvore, ela era difícil de "derrubar". Quanto mais tentavam controlá-la, mais desafiadora se tornava. Sabia que seu avô Mustafá a amava e preocupava-se muito com ela, mas sempre agia com mais firmeza quando as decisões se tratavam da vida de Ayla. Ela sabia convencer aos pais e, algumas vezes, ao seu primo, mas o seu avô não facilitava.
Ayla entrou na sala de aula e falou com o professor, mostrando o documento assinado de que ela teria consulta médica naquele dia, então ele lhe deu uma liberação por escrito, que ela entregou na portaria e saiu se sentindo muito feliz. Ninguém iria estragar aquele dia.
Murat estava concentrado em sua atividade de biologia quando seu amigo de sala se sentou a seu lado, perguntando-lhe:
- Você e Ayla estão mal outra vez?
Sem desviar a atenção do que fazia, ele respondeu:
- Qual o dia que não estamos? – curioso, olhou para o amigo - Mas por que a pergunta?
- Por que ela acabou de passar pela portaria sozinha!
Murat fez cara de surpreso. Não acreditava que ela tinha aprontado mais uma. Pediu licença ao professor e foi à sala de Ayla. Olhou pelo pequeno vidro da porta e constatou que ela não estava lá. Pegou o celular e ligou para ela, que não atendeu. Lembrou-se de Derya. Se alguém sabia onde ela poderia estar, era sua irmã. Subiu as escadas já discando o número. Ela atendeu, falando baixinho:
- Irmãozinho, eu estou na aula, não posso falar!
- Saia! Eu já estou no corredor.
Derya levantou-se já sabendo que vinha bomba por aí. Encontrou o irmão furioso:
- Onde ela está? - perguntou sério.
- Ela quem, Murat?
- Ayla! - disparou - Não se faça de boba, Derya, ela não está no campus, saiu e eu sei que você sabe para onde ela foi!
- Ela não está no campus? - fez cara de surpresa - Quem te disse essa bobagem? Claro que ela está! Deve ter ido ao toalete. Por que você não liga para ela e pergunta?
- Derya! - disse Murat, aumentando o tom da voz e fazendo-a perceber que ele não iria descansar enquanto não soubesse onde Ayla estava. Droga, sabia que aquilo não daria certo, mas não poderia entregar a prima, senão seria uma mulher morta, porém, se não entregasse, também seria morta por Murat. Que situação, pensou, nervosa.
Murat percebeu que Derya estava hesitante, com certeza não queria entregar a prima e melhor amiga, então ele decidiu agir com sabedoria:
- Você não vai me dizer para onde ela foi?
- Eu já disse que não sei, Murat, e você está atrapalhando minha aula!
- Certo, não vou mais tomar seu tempo. Preciso ligar para o
o nosso pai papai, ele vai saber como encontrá-la.
Derya gelou. Se seu pai soubesse que Ayla tinha saído sozinha e com ajuda dela, seria o fim para as duas.
- Espere! - gritou.
Murat virou e ela se aproximou:
- Você não precisa fazer isso. Ela vai voltar logo, só foi resolver um problema. – disse, pronta para enfrentar a fúria do irmão sobre ela também.
Ele a olhou desconfiado e chateado com as "traições" frequentes da irmã. Tirou o celular de suas mãos.
- Ela terá um problema muito maior quando voltar! – disse, virando-se de costas e falando - E você também não vai escapar dessa, Derya - descendo as escadas, ele se foi.
Já de volta à aula, ele não conseguiu mais se concentrar. Estava furioso com Ayla. Não entendia seu comportamento pouco adequado. As outras jovens eram tão diferentes dela, sempre meigas, tranquilas, obedeciam aos pais, interessavam-se por assuntos femininos como costura, cozinha, artesanato... Mas ela era muito diferente. Gostava de festas, odiava crochê ou qualquer trabalho artesanal, não tinha medo de sair sozinha, era teimosa, sempre tinha uma opinião e uma resposta.
Ayla não perdia a chance de desafiá-lo e não gostava de receber uma negativa em resposta. Certa vez, eles estavam em uma comemoração de família quando, apesar das restrições, Ayla saiu do local. Murat procurou por ela em todos os lugares sem sucesso, até que um amigo lhe disse que ela estava em outra festa. Tinha saído de lá com alguns amigos do colegial. Eles estavam passando e convidaram-na. Ela, então, seguiu com eles.
Murat, sem saber o que fazer, contou ao pai e ao avô o que ela fizera. Eles foram buscá-la, deram-lhe uma bronca das grandes, compararam ela às outras moças, dizendo-lhe que ela sempre era inadequada aos padrões e, junto dos pais dela, decidiram trocá-la de escola para que ela não tivesse mais contato com esses amigos que julgavam ser más influências para a já tão rebelde garota.
Na época, Ayla ficara desolada e chorara muito. Para uma adolescente de dezesseis anos, aquilo era um duro golpe; a atitude da família a ferira muito. Cortaram sua comunicação com Derya e com seus outros amigos. No começo, ela se fez de forte, mas passando uns dias, começou a reclamar da nova escola e da falta que sentia da prima, mas sempre era repreendida. Ouvia tudo calada, mas se trancava no quarto e chorava muito.
Murat sempre ouvia o choro de Ayla já que seu quarto era ao lado do dela. Sentira-se culpado. Desde então, ele decidira que só levaria um problema com ela ao avô em último caso, quando já não tivesse esperanças de lidar com a situação. Muitos problemas surgiram desde os dezesseis anos de Ayla; cada dia ela parecia estar mais independente, ou, pelo menos, tentava ser. Ele não achava aquilo ruim: uma mulher tinha que saber se cuidar, mas regras são regras e não questionava as decisões de seu avô, que sabia bem o que estava fazendo. Ele tinha muito mais experiência do que eles, sabia bem mais sobre a vida.
Ayla se divertira muito. Entrara em várias lojas, comprara tudo o que queria, ficara encantada com as promoções. Tomou um café olhando as pessoas que andavam apressadas. Por onde passara, recebera olhares masculinos. Sem Murat, as coisas eram diferentes, muito diferentes - riu do seu pensamento, chamando mais ainda a atenção de um rapaz que estava sentado em outra mesa, observando-lhe.
Ele pediu que o garçom lhe entregasse um guardanapo onde havia escrito: "Mashallah! Sen çok güzelsin" e o número do telefone para que ela ligasse. Bem, infelizmente já estava na hora de voltar à realidade, voltar para o cárcere.
Ela ainda não tinha pensado no que fazer com aquele monte de sacolas. Não poderia entrar na sala de aula e muito menos encontrar com Murat. Planejou tudo menos a volta; devia ser por que ela realmente não acreditara que aquilo daria certo, que seu tutor não fosse descobrir o que ela tinha feito.
Passou todos os minutos de sua restrita liberdade esperando ele aparecer e arrastar-lhe de volta para casa, pois era isso que sempre acontecia quando ela "aprontava". Ela não era boa de fuga e sua cúmplice não era boa com segredos, então...
Decidiu chamar um táxi e ir para casa. Seus pais estavam trabalhando, só chegavam em casa à noite. Ayla colocou tudo no armário do seu quarto e olhou o relógio. Ela tinha uma hora para voltar à Universidade e fazer o belo desfecho do seu plano. Chegou faltando vinte minutos para que todos saíssem. Entrou na sala de aula e foi para o seu lugar. Três horas de liberdade não tinham sido suficientes, mas já era alguma coisa.
Quando saiu, foi para o mesmo lugar de sempre esperar por Murat e os primos, mas eles não apareceram. Ayla ligou, mas nenhum deles atendeu. Foi às salas e tudo estava vazio. Ficou preocupada. Será que tinha acontecido algo em sua família e eles não puderam esperar por ela? Pensou em seu avô já que era a pessoa mais idosa da família. Decidiu, então, pegar outro táxi para voltar. Olhou na bolsa e viu que tinha deixado a carteira em casa junto das sacolas. Entrou em pânico.
- Não acredito! Que burra eu sou.
Como não tinha muito que fazer, foi andando para casa. Era longe, mas era o jeito. Depois de uma hora e meia caminhando, ela finalmente chegou em casa, exausta e pronta para morrer. Encontrou Murat no primeiro andar com seu almoço pronto e um enorme copo de água, que lhe entregou. Ela bebeu tudo. Ele puxou a cadeira para ela se sentar e ordenou:
- Coma!
Pela cara e pelo tom de voz, ele já estava sabendo de tudo. Era melhor não contrariar, pensou ela.
Ayla terminou sua refeição sob a vigilância de Murat, que não tirava os olhos dela. Afastou o prato e encarou-o: não fugiria da briga.
- Onde você estava? - perguntou ele.
- Fui resolver um assunto. - respondeu indiferente.
- Que assunto? - insistiu.
- Você é muito curioso. - provocou.
- Você não tem assuntos a tratar com ninguém, Ayla, seu assunto é comigo, com sua família, por isso, não minta para mim nem se faça de desentendida, porque eu não vou tolerar isso. - disse alto e já se levantando.
Ayla também se levantou e retrucou:
- E o que é que você vai fazer? Contar ao meu pai? Para tio Gökse? Não, melhor, conte logo para o vovô, assim ele me troca de universidade! Só que dessa vez, eu tenho uma surpresa para vocês: ninguém me incentivou, eu fiz tudo por conta própria, não vão poder acusar ninguém. – disse, debochada.
- Eu não entendo você. Não entendo esse seu prazer em desobedecer, em criar o caos, em ser do contra. Onde você acha que isso vai te levar?
- Eu não espero que você entenda. Você age como um soldadinho, nunca questiona nada que te mandam fazer. Murat, nossos pais e avô não são os donos da verdade, o mundo mudou, as coisas mudaram e já passou da hora dessa família mudar também.
- É, o mundo mudou, por isso está essa porcaria. - respirando fundo, ele continuou. - Não fuja do assunto, me diga onde você esteve, sem mentiras. – aproximou-se de Ayla. Com um olhar ameaçador, encarou-a, esperando por uma resposta.
- Fui fazer compras, Murat - ela respondeu, encarando-o sem medo.
- Hum! Com quem você foi? - disse sem desviar os olhos.
- Sozinha.
- Acho que fiz a pergunta errada, me deixe formular melhor. - disse com a voz muito tensa. - Com quem você foi se encontrar nesse passeio?
- Com ninguém.
- Mentira! - esbravejou, afastando-se dela.
Ayla ficou desconcertada, sem entender, pois ele falava com muita convicção.
- Murat, eu não estou mentindo. Fui sozinha e permaneci sozinha.
- Ah, jura? Então, de quem é esse número? – perguntou, mostrando o papel que o rapaz na cafeteria tinha lhe entregado.
- Eu fui tomar um café e um rapaz me entregou! O que você queria que eu fizesse? Fosse à mesa dele devolver? Ou que eu dissesse que tinha um primo louco em casa que surtaria se visse isso?
- Ayla... - falou Murat em advertência: ela já estava passando dos limites. Murat respirou fundo e continuou: - Você sabe o que aconteceria se nossos pais soubessem o que você fez hoje?
Ela já estava cansada disso:
- Vá contar, Murat, eu não me importo. Quero mesmo que eles descubram e que percebam de uma vez por todas que ninguém vai me controlar. – disse, aproximando-se dele. - Eu não nasci para ser a garotinha do papai e eles já deveriam ter entendido. E você já deveria ter desistido de tentar me fazer ser quem eu não sou.
- Eu me preocupo com você. – disse, aumentando o tom de voz - Sabe quantas coisas passaram pela minha cabeça enquanto você estava se divertindo? Você poderia ser assaltada ou sequestrada.
- Acho que você está confundindo Istambul com outro lugar.
- Não, Ayla, você é quem não conhece o mundo lá fora. Você vive essa fantasia de ser independente, ser livre, mas liberdade tem limites. Você não consegue seguir as regras da nossa família, como vai seguir as regras da sociedade? Não se vive sozinho. Você sempre vai depender de alguém.
- Acredito que você me deixou voltar a pé para me castigar? - desconversou.
- Você já tinha andado quatro horas seguidas, mais uma não faria tanta diferença. - disse com um meio sorriso - Espero que tenha gostado da paisagem de lá até aqui.
- Você não sabe o quanto eu te odeio, Murat - disse Ayla, estreitando os olhos.
- Nesse momento, eu estou imaginando o quanto. - disse ainda sorrindo.
Ayla tentou pegar o papel das mãos dele, mas Murat foi mais rápido. Do alto, picou todo o guardanapo.
- Prêmio de consolação, Ayla? Hoje não! - disse saindo.
Algumas horas depois, todos jantaram juntos. Murat não disse nada a seus pais, ao contrário: passara todo momento calado. Depois de ajudar a mãe a organizar a cozinha, Ayla foi para seu quarto. Estava bufando de ódio de Murat. Não conhecia ninguém mais inconveniente que ele. O rapaz que lhe dera o número era tão lindo, uma pena ter perdido o telefone dele. Murat era sempre estúpido, ainda bem que nada tinha dito ao seu pai sobre as comprar de hoje. Ayla levantou-se da cama e foi pegar as sacolas dentro do armário. Jogou tudo em cima da cama e foi provar as novas peças. Tinha comprado uma camisa para Murat, verde da cor dos olhos dele, ficaria lindo. Ele não merecia, mas Ayla sempre acabava comprando algo para ele. Foi até o quarto do primo e bateu à porta, ele abriu só até a metade:
- Diga!
Ayla empurrou a porta e entrou.
- Nossa, que mau humor!
- Só com você. O que quer?
- Eu comprei isso aqui para você. – disse, entregando-lhe a sacola - Para você não sair por aí dizendo que eu não sou uma boa prima, que só lhe dou trabalho e preocupações e trá, lá, lá, lá.
Murat abriu e viu a camisa, muito bonita, verde, da cor que ele gostava.
- Você está tentando me comprar? - disse ele, levantando uma sobrancelha.
- Eu não preciso comprar você. As pessoas compram às outras porque têm medo, e eu não tenho medo de nada - dizendo isso, foi se encaminhado à porta para sair. - Ah, não precisa me agradecer!
Murat respirou fundo. Ayla o tirava do sério. S não fosse tão cabeça dura, seria muito divertida. Ela tinha muitos amigos, vivia recebendo ligações e convites para sair; claro, todos eram analisados por ele antes da permissão de seu tio para que ela pudesse participar. Gostava de conversar com ela às vezes, quando estava menos ácida. Deitavam no quarto dele e ficavam olhando o Bósforo pela janela, jogando conversa fora até que acabavam adormecendo.
Hoje ele tinha pensado em um filme para eles assistirem, mas depois da discussão que tiveram, achou melhor desistir. Porém, agora, depois do presente, pensou que não faria mal um filminho. Foi preparar a pipoca para convidá-la.
Murat abriu a porta do quarto de Ayla e encontrou-a em frente ao computador.
- Vamos assistir a um filme? – disse, mostrando a tigela de pipoca a ela.
- Com certeza! - disse ela animada, seguindo-o.
Deitaram na cama de Murat, apagaram a luz e o filme começou. Era um thriller aterrorizante sobre um grupo de amigos que foi parar em uma ilha deserta e, de repente, um deles apareceu morto, e o barco em que eles vieram tinha sumido. Agora estavam presos ali com um assassino.
O filme passou e, vencido pelo cansaço, Murat dormiu. Ayla percebeu e chamou-o:
- Acorda, Murat, você vai perder a melhor parte!
- Amanhã você me conta. - disse já bocejando
Ayla continuou vidrada no filme até que também foi vencida por ele e dormiu.
Murat acordou de madrugada com o barulho do televisor ligado. Pegou o controle, desligando-o. Olhou para o lado e viu que Ayla dormia a seu lado com a cabeça encostada em seu ombro. Ia acordá-la para que fosse para seu quarto, mas, antes, decidiu aproveitar aqueles poucos momentos que tinha com Ayla tão quieta. Observou suas expressões; ela parecia um anjo.
Quando Murat teve que morar com os tios, Ayla, com seus treze anos, estava entrando na adolescência. Muita coisa mudara desde então: sua rebeldia piorou, assim como suas ideias de independência. Ela crescera, adquirira um corpo escultural, cintura fina, quadris largos, longas pernas e pele bronzeada. Seus cabelos estavam sempre bem tratados, longos e negros, tinham um cheiro agradável que sempre ficava em seus travesseiros.
Murat se lembrou da irritação que sentiu ao ver o número de telefone dentro da bolsa de Ayla. Não a queria com ninguém, ela não tinha permissão para namorar, principalmente um desconhecido. Voltou a admirar a beleza dela. Era uma provação. Em outras famílias turcas, o casamento entre primos era comum, mas na sua era proibido. Infelizmente, pois há algum tempo vinha sentindo algo muito específico por Ayla, mas aquilo precisava acabar. Seu avô jamais permitiria algo entre eles.
Ayla gemeu quando que uma brisa fria entrou pela janela. Murat a cobriu com uma manta que estava sobre sua cama.
– Murat? – falou ela, sonolenta.
– Estou aqui. – respondeu – É melhor você ir para seu quarto!
– Não, eu quero ficar, me deixa ficar? – pediu e ele concordou. Abriu os braços e ela se aconchegou a ele. Murat depositou um beijo em sua fronte. Ayla fechou os olhos e suspirou. – Murat, nós sempre brigamos, mas eu te amo!
O coração dele se apertou, pois sabia que o amor dela não era como o seu, não existia paixão por ele; o amor que ela sentia era diferente.
– Eu sei! – disse apenas. – Durma! Amanhã temos mais um longo dia!
E ela adormeceu novamente seguida por ele.